Recentemente, tive um pequeno debate, via
redes sociais, com um amigo que defende a inclusão do livro de Enoque no cânon
bíblico. Seu ponto de partida para tal defesa é a conhecida passagem bíblica da
curta, mas eloquente, epístola de Judas:
“Para
estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio
o Senhor com os seus milhares de santos, para executar juízo sobre todos e
convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente
cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele
proferiram.” (Judas, versículos 14 e 15).
A
seguir, citarei as principais defesas feitas pelo meu amigo, seguidas pelas
minhas respostas, que, deixo claro, não são infalíveis, entretanto, acredito
que sejam possíveis, isto é, verdadeiras:
Alegação 1 – “Acredito que, para Judas citar uma
profecia de Enoque daquele jeito como se fosse uma verdade da Escritura, já que
Enoque é o personagem bíblico que ‘andou com Deus’, significa que naquela época
o Livro de Enoque era aceito como canônico.”
Resposta: Bem, esse raciocínio parece correto, mas
devemos lembrar que o fato de Judas citar uma frase de Enoque, realmente
pronunciada pelo profeta, não significa, de forma nenhuma, que ele tivesse
retirado tal frase do livro de Enoque; segundo, ainda que a tal frase tenha
sido retirada do livro de Enoque, não evidencia que TODO o conteúdo do livro
seja verdadeiro - até de livros de
religiões pagãs podemos retirar alguma frase verdadeira. Pelo teu
raciocínio, o apócrifo livro “A ASSUNÇÃO
DE MOISÉS” também deveria ser incluído no cânon, pois Judas cita uma
passagem que aparece nele. Ou por que não considerarmos como canônico o LIVRO
DE JASHER (citado em Josué) e outros?
Alegação 2 – “... [parte a] já que Enoque é o
personagem bíblico que ‘andou com Deus’, [parte b] significa que naquela época
o Livro de Enoque era aceito como canônico.”
Resposta: Não vejo como a parte “a” dessa afirmação
aí tenha como consequência lógica a parte “b”. Qualquer autor poderia escrever
um livro sobre Moisés e citar algumas frases deste (talvez até alguma
preservada pela tradição, mas não transcrita no Pentateuco), mas isso não
faria, de forma nenhuma, com que esse suposto “LIVRO DE MOISÉS” se tornasse
canônico.
Alegação 3 – “Pois quem poderia garantir se essa
profecia era verdadeira ou não, se realmente foi profetizada por Enoque ou não?
Logo, inevitavelmente, Judas nos convida a ler e reconhecer o Livro de Enoque,
fonte dessa profecia.”
Resposta: Quem poderia garantir que o embate entre
Satanás e Miguel, citado em Judas, tenha sido verdadeiro ou não? Teríamos que
reconhecer como canônico o livro “ASSUNÇÃO DE MOISÉS”, pra garantir isso?
Alegação 4 – “Se o que Judas citou é tradição oral e
não o livro, como aquela passagem está igualzinho no Livro de Enoque escrito
bem antes da carta?”
Resposta: E o autor do livro de Enoque não poderia
ter bebido na mesma fonte que Judas bebeu, ao citar essa frase?
Alegação 5 - “Fora que ainda há outras informações que
Judas dá em sua carta que não são encontradas na Bíblia, mas no Livro de
Enoque, como por exemplo a punição dos anjos caídos. Como você explica isso?”
Resposta: Novamente, existem muitas verdades e
eventos históricos (envolvendo o povo de Deus) não citados na Bíblia, mas
preservados em crônicas da época. O fato citado em Josué 10, por exemplo, sobre
o “DIA LONGO”: não aparece em outras partes da Bíblia, mas pode ser encontrado
no tal livro de JASHER (O RETO)...
Alegação 6 – “É muito fácil alegar que é tradição oral,
sem explicar como o Livro de Enoque escrito antes contém a mesma passagem
citada na Epístola de Judas.”
Resposta: Não vejo nada surpreendente aí e insisto: o
fato de um livro conter uma verdade não faz com que o livro todo seja
verdadeiro.
Vamos supor a seguinte
situação: Eu descubro, numa tradição oral, de uma fonte diretamente ligada a um
dos apóstolos de Jesus, uma frase do Mestre QUE NÃO FOI REVELADA EM NENHUM DOS
QUATRO EVANGELHOS. Eu resolvo escrever um livro, juntando várias lendas sobre
os apóstolos e no meio delas incluo UMA FRASE QUE JESUS REALMENTE PRONUNCIOU,
MAS NENHUM DOS QUATRO EVANGELHOS CANÔNICOS TRANSCREVEU. E aí? Meu livro se
tornará automaticamente autêntico, 100% verdadeiro, porque existe nele uma
frase verdadeira pronunciada por Jesus, ainda que nenhum dos Evangelhos
oficiais a tenha registrado?
Ah, um exemplo disso
[em um livro canônico] é Atos 20.35:
“[Paulo falando] Em tudo vos dei o exemplo de que assim
trabalhando, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do Senhor
Jesus, porquanto ele mesmo disse: COISA MAIS BEM-AVENTURADA É DAR DO QUE
RECEBER.” (Atos 20.35). [a frase não está TODA EM MAIÚSCULO na fonte de
onde a transcrevi].
Bem, em qual dos
Evangelhos iremos encontrar essa frase de Jesus aí? E se aparecer um livro
apócrifo, recheado de lendas, mas contendo essa frase aí?
Alegação 7 – “Acredito que se o Livro de Enoque não
merece crédito, a Epístola de Judas também não, já que um faz uso do outro.”
Resposta: Você continua insistindo em que uma frase
verdadeira em um livro é suficiente para se autenticar todo o livro como
verdadeiro. Eu poderia argumentar: Se o livro “Assunção de Moisés” não merece
crédito, a Epístola de Judas também não, já que...
Imagine o pregador
afirmando: A Palavra de Deus diz: “Não vos enganeis. As más companhias
corrompem os bons costumes.” (1 Coríntios 15.33)
Bem, mas, na verdade,
o autor original da frase é um poeta grego, pagão. Sim, essa citação de Paulo
foi extraída da comédia grega de Menandro, da obra “Thais”. Esse autor pagão viveu
cerca de 300 a.C., portanto, muitos séculos antes de Paulo escrever a epístola
aos coríntios.
Pelo teu argumento, a
respeito do livro de Enoque, eu poderia também alegar que o livro de Menandro é
todo inspirado por Deus e deveria fazer parte do cânon.
Alegação 8 – “Olha... Não há unanimidade no cânon:
temos o cânon judaico, o protestante, o cânon católico, o cânon ortodoxo e o
cânon etíope. Todos eles contêm livros a mais e a menos.”
Resposta: não importa se há unanimidade ou não, o que
realmente importa são as evidências. As evidências históricas apontam que o
cânon protestante é o verdadeiro. Especialistas nesse assunto, tal como Norman
Geisler em sua obra “INTRODUÇÃO BÍBLICA
– COMO A BÍBLIA CHEGOU ATÉ NÓS”, apresentam muitos argumentos históricos,
provando essa tese. Cabe a quem acha que eles estão equivocados, provar o
contrário.
E tem ainda o argumento matemático [defendido no
Arquivo7]: As simetrias matemáticas estruturadas no cânon protestante
provavelmente NÃO SÃO ENCONTRADAS em nenhum outro cânon (pelo menos não no
católico, até onde testei). Elas seriam apenas obras do acaso? Mais detalhes
sobre isso, veja o Apêndice 27 da
Enciclopédia Arquivo7, intitulado: “APÓCRIFOS
E CANÔNICOS – O DUELO MATEMÁTICO”. [Até aqui o debate-diálogo]
A postagem que deu
inicio a essa conversa foi esta:
Para mim, o argumento
da Matemática Bíblica detona de vez toda teoria que ensina que a Bíblia está
incompleta, que está faltando este ou aquele livro nela, etc. A BÍBLIA CONTÉM SOMENTE 66 LIVROS E 1.189
CAPÍTULOS! NÃO FALTA LIVRO NENHUM, E NÃO CABE MAIS LIVRO NENHUM, NEM UM
CAPÍTULO A MAIS, NEM UM CAPÍTULO A MENOS!
Para alguém provar
que esta declaração sobre a Bíblia está errada, só precisa demonstrar que as
mais de 100 simetrias matemáticas envolvendo os livros e capítulos da Bíblia (e
divulgadas no Arquivo7) são meras obras do acaso ou manipulação humana.
Por ocasião da
recente comemoração dos 503 anos da Reforma Protestante, veio à tona novamente
a discussão sobre a verdadeira quantidade de livros bíblicos. Existem muitos
argumentos excelentes, provando que o cânon de 66 livros e 1.189 capítulos,
está fechado. Entretanto, o argumento da Matemática Bíblica é, por analogia,
tão (ou mais) poderoso quanto uma arma nuclear.
Houve alguma
tréplica? Sim, meu amigo respondeu o seguinte:
Tréplica - Caramba... Ótima argumentação. Entretanto,
você cogita a possibilidade de Judas e o autor do Livro de Enoque beberem da
mesma fonte, ou que Judas tenha citado o livro, mas só a parte que ele citou é
a verdadeira. Ou seja, você não tem certeza do que realmente aconteceu nesse
processo e cogita as possibilidades para validar a canonicidade de Judas e a
"apocrificidade", digamos assim, de Enoque. Sendo que, essa questão é
bem simples, o livro de Enoque era usado pelos cristãos e judeus como profecia.
E não sou eu que digo isso. Existem muitos teólogos, historiadores e exegetas
como Robert H. Charles, August Dillmann, J. T. Milik, e muitos outros que
reconhecem isso. Agora, é interessante como passagens isoladas na carta de
Judas passam a ser canônicas e dignas de crédito fora de seu contexto original.
Será mesmo que Satanás brigou pelo corpo de Moisés? Se isso é verdade e não uma
lenda, por que a fonte de onde Judas tirou isso é falsa? Qualquer um na época
que lesse essa carta poderia dizer: "Hey, tem coisa errada nessa carta,
pois o apóstolo está citando uma lenda de um livro falso!" Algo que
imediatamente descartaria a carta como digna de crédito, mas não foi isso que
aconteceu. E o exemplo que você dá de filósofos pagãos citados por Paulo não se
aplica aqui. Pois o assunto se trata de um tema bíblico com personagens
bíblicos: Moisés e Enoque, cuja tradição pertence aos judeus e cuja história
está contida nas Escrituras do Antigo Testamento. Agora, se existem mais
informações sobre Enoque e Moisés, encontraremos nos livros apócrifos como o
Livro de Enoque e Assunção de Moisés que foram rejeitados, mas ironicamente
foram usados por Judas que é totalmente digno de crédito. É um paradoxo isso.
Bom, mas doutrina é doutrina. Se o concílio de Niceia disse que tais livros são
falsos, quem somos nós para contestar. [transcrito na íntegra]
A postagem original, provocadora
desta conversa, aponta a evidência matemática como prova do CÂNON FECHADO da
Bíblia, mas meu amigo, aparentemente, não levou em consideração esse fato em
sua contra-argumentação. Por isso, ainda tivemos o seguinte diálogo:
Eu: - Mas qual a sua opinião sobre as simetrias matemáticas
envolvendo a estrutura dos capítulos bíblicos? Você viu o PDF postado aqui?
Ele: - Dei uma olhada superficial. A gematria é
interessante, mas não é muito a minha área. E lido melhor com textos,
hermenêutica e exegese, entende? Em outra hora vou estudar isso com mais calma.
Eu: - Mas nos tais padrões na estrutura dos capítulos
bíblicos eu faço pouco uso da gematria... e os padrões revelados desafiam a Lei
das Probabilidades... dê um jeito pra dar uma olhada... [fim da conversa]
Infelizmente, a
maioria das pessoas quando é confrontada com a Matemática Bíblica (no estilo
desta divulgada no Arquivo7), pressupõe que é apenas mais uma teoria maluca
envolvendo gematria, e, geralmente, interrompe a leitura ainda na introdução. Pra
piorar, na língua portuguesa temos pouca coisa ou quase nada sobre Matemática
Bíblica. O que a gente ainda vê aqui e ali (principalmente no Youtube) são
apenas curiosidades numéricas da Bíblia, isto é, estudos sobre Numerologia
Bíblica, que NÃO É a mesma coisa que Matemática Bíblica! E boa parte desses
ensinos no Youtube sobre o assunto está recheada de exageros, distorções e muito
sensacionalismo. Então é fácil entendermos o preconceito contra as teses
matemáticas publicadas no Arquivo7.
Existem casos ainda
piores em que as pessoas, na hora em que veem estudos envolvendo números e
Bíblia, já associam com a Cabala, o misticismo judaico.
Mas desafio você a
conhecer a Matemática Bíblica que defendemos aqui. Uma boa introdução ao
assunto está neste link: https://www.arquivo7.com.br/2020/11/a-essencia-da-tese-arquivo7-em-7.html
Depois da leitura do
artigo postado no link acima, você pode continuar pensando o que quiser, mas,
com certeza, passará a olhar a Matemática Bíblica com outros (e melhores)
olhos.
Moacir Junior – morganne777@hotmail.com – www.arquivo7.com.br